Os amores do Alferes Pouco se diz sobre a pessoa do herói. Era ou não pobre? Pelos Autos da Devassa vê-se que era abastado. Agora, C. Cunha Corrêa lança romance sobre um dos amores de Tiradentes. A moça teria se fixado na terra do autor, em Dores do Indaiá, "onde o Pedro da Zica é a cara dele", afirma o prefaciador Fenelon Ribeiro.


Além da liberdade, as paixões de Tiradentes

Tomaz Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa tiveram os seus amores. As liras e poesias dedicadas a Bárbara Heliodora e Marília de Dirceu já são conhecidas. Mas o nosso herói primeiro, Tiradentes, mártir da Inconfidência, sempre foi visto como um homem só, como alguém que lutou pela liberdade dos homens, apenas um militar, embora versado em mineralogia e um exímio tratador de dentes. No entanto, no livro Amores do Inconfidente, de C. Cunha Corrêa, da Mazza Edições, o autor, cujo livro Serra da Saudade (de 1948) foi citado por Gilberto Freire na 6ª edição de Casa e Grande e Senzala, romanceia, baseado em pesquisas próprias, uma história de amor do Alferes. Segundo ele, Tiradentes teve, sim, um grande amor: Eugênia Joaquina da Silva, que lhe deu dois filhos e uma paixão desmesurada. Segundo o prefaciador, Fenelon Ribeiro, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, “a descendência está aí oficialmente reconhecida e certa de ter o gene, o DNA, daquele que mexeu no “bigode da onça” . Ele afirma, inclusive, que em Dores do Indaiá, onde Eugênia se fixou, a geração antiga pode certificar a presença do sangue do enforcado em seus descendentes. Diz ele: “É preciso conhecer Pedro Zica, parecido no físico e nos modos com Tiradentes, para não se duvidar dessa realidade.” Portanto, para Fenelon, C. Cunha Côrrea “romanceia a história verídica da relação do herói maior com uma orfãzinha, do que resultou dois filhos, sobrevivendo apenas o varão, que deixou numerosa prole.”

Uma grande paixão

A história de Tiradentes se passa em Ouro Preto. Derrame de pedras, vigilância redobrada. Cartas régias cruzam o Oceano Atlântico em pleno século XVIII. Toneladas de ouro, preto de suor e sangue dos escravos, “saltavam prestes da terra dadivosa aos carumbés para pábulo do fausto da corte lisboeta.” Esse é o cenário de Amores do Inconfidente. E o Alferes, logo nos primeiros capítulos, deixa escapar para Eugênia Joaquina da Silva, que seria o seu grande amor, quando esta manifesta o desejo de ser sua escrava, se ele lhe salvasse a mãe. “Não me diga nunca essa palavra que tanto me aborrece: já os pretos são escravos dos brancos, os brancos escravos dos verdugos gananciosos que Lisboa nos manda e que aqui se enriquecem à custa de tantos escravos e oprimidos. Escravidão, vexames, flagelos, que pesam sobre nós e de que não sei quando Deus nos livrará.” O Alferes torna-se amante de Eugênia, em meio a uma sociedade de chagas malignas. Intrigas, invejas, maledicências. Um amor escuso, não revelado, que gerou dois filhos: João Beltrão e Joaquina (que morrera). Eles não se proclamavam como tal, porque os descendentes de Tiradentes eram considerados espúrios e foram apagados do registro da história. Somente em abril de 1831, qundo se comemorava a abdicação de Pedro I, em meio à exultação geral João explodiu: “Viva meu pai, o Tiradentes”. “Assombro! Pasmo! Surpresa em todos os rostos! Estremecimento de Eugênia, sem uma pinga de sangue na face. O insólito daquele “viva”, como que estarrecia a todos os presentes que, atônitos, suspensos, se voltaram para Beltrão, agitado, trêmulo, lágrimas bailando nos olhos. Diante daquele espanto, ele, conturbado, pôde apenas bradar de supetão: - Perguntem a essa mulher martirizada quem é o meu pai”, descreve C.Corrêa. O autor nasceu em Dores do Indaiá, Minas Gerais, em 10 de agosto de 1882, e faleceu no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1951, aos 69 anos. Era advogado, promotor, delegado e pesquisador. Estudou a etnia, formação da sociedade e a genealogia da região Oeste de Minas, inclusive os caminhos de penetração das Entradas e Bandeiras na região de Dores do Indaiá.

Descendência

Também no livro Tiradentes, uma publicação do Ministério da Educação e do Desporto, de 1993, em artigo de Márcio Jardim, registra-se que o Alferes deixou sua descendência, embora tenha morrido solteiro. Cita apenas uma filha de nome Joaquina, de sua união com Antônia Maria do Espírito Santo - orfã do pai, Antônio da Silva Pais - e que vivia em Vila Rica em companhia da mãe, Maria Josefa da Silva. Antônia tinha 16 ou 17 anos quando engravidou. O namoro deve ter durado no período de maio de 1786 a fevereiro de 1787. O Alferes assumiu a paternidade, prometendo casar-se com Antônia, intento revelado a um colega de regimento. Batizou a filha em 31 de agosto de 1786, na Igreja Matriz de Vila Rica, convidando para padrinho um dos comerciantes mais ricos da Capitania, Domingos de Abreu Vieira, seu companheiro no movimento conspiratório. O Alferes tinha 40 anos quando engravidou Antônia Maria do Espírito Santo, menina-moça órfã. Viajava muito; naqueles anos passou a maior parte do tempo no Rio de Janeiro. Em um de seus regressos descobriu que Antônia não “procedera bem” e por isso rompe a promessa de casamento e devolve a menina e a filha à sogra. Esses são, pois, os amores de que se tem notícia do Mártir da Inconfidência. Um homem que, afinal de contas, não era só. Um Alferes que viveu em meio aos conjurados, mas que guardava muitos segredos de alcova e que deu a sua vida à Inconfidência Mineira, mas reservou um pouco dela para as suas paixões.